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O Funeral

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O funeral é o mais longo e significativo de todos os rituais Bororo. A maneira como este povo se despede de seus mortos traduz e materializa muitos dos elementos de sua cultura.

Em sua longa duração e com a forte intensidade em que se realiza, ali são afirmados o simbolismo e a identidade e transmitidos os costumes às novas gerações com elementos como os cantos, danças, além das atividades de produção de artesanato, caça e pesca. Como exemplo, pode-se citar o ensino, por parte dos membros mais antigos, de técnicas de confecção de objetos reveladas apenas no contexto funeral.

Sob o aspecto das relações sociais, apesar de terem entre eles uma rigorosa e complexa classificação que os distingue em seus papéis e funções, no ritual fúnebre os Bororo apresentam suas noções de unidade e complementariedade de seus diferentes atores enquanto membros do grupo. É justamente no momento da despedida de seus iguais que os Bororos reforçam suas alianças e a coesão grupal.

Neste momento, há uma reorganização social, onde são criados, inclusive, novos vínculos, trazendo novos elementos para o elaborado sistema de parentesco bororo.

Além disso, é através do funeral em que são reconhecidos, formalmente, os novos membros da sociedade bororo. Durante o ciclo funerário são realizados os rituais de iniciação masculina, eventos que podem durar até três meses, período intimamente ligado ao tempo da longa duração fúnebre.

As repercussões na vida prática no decorrer deste período vão tanto na forma de reprodução, acessos diferenciados a homens, mulheres, crianças, adultos, idosos, como também das atividades de subsistência. Nessa fase é suspensa a utilização de práticas mecanizadas de agricultura, introduzidas a partir do contato interétnico, momento em que são resgatados costumes como caçadas e pescarias coletivas, situações de forte importância na realização do ritual.

No que diz respeito à simbologia, nos rituais fúnebres se evidenciam as concepções de vida e morte, de ancestralidade, de relação com a natureza, com o tempo e com o sobrenatural.

Na oportunidade, todos os mortos são relembrados através de seus representantes vivos, dando a oportunidade de reencontro com a sociedade dos vivos. Desta forma, evidenciam-se as concepções advindas das relações entre vivos e mortos, de não finitude e continuidade da alma (aroe), além do próprio sentido da vida.

Nesta cultura, a morte não é vista como um fim, e sim como uma passagem para uma nova vida. Neste sentido, o fim do corpo terrestre simboliza o renascimento, o início da existência na aldeia dos mortos. Tal fato contextualiza, em grande medida, o comportamento muitas vezes celebrativo presente durante todo o ritual, desde a morte propriamente dita até o enterro definitivo.

Outro fator também fundamental de citar é a abordagem ritual enquanto uma expressão estética, motivo de orgulho entre os Bororo. O rito, em seu conceito mais amplo, demonstra o poder criativo em termos de performance. No funeral bororo o corpo material é o foco a partir do qual as atividades são levadas a cabo. A desfiguração e refiguração dos corpos (tanto do indivíduo morto quanto daquele que o representará) demonstram a importância da materialidade para o alcance dos aspectos intangíveis e imaginários da cultura bororo.

O corpo é tido, nesta percepção, enquanto memória. As manipulações, tanto simbólicas quanto literais, têm papel central no acesso do espírito ao mundo dos céus, sendo por meio delas que ocorrem a transformação e a purificação necessárias à entrada na morada definitiva.

Entre as crenças Bororo existe a figura do Bope, entidade sobrenatural responsável por todos os processos de transformação tais como o nascimento, a puberdade e a morte.

Ao morrer, a alma da pessoa (Aroe) ocupa o corpo de um animal. A caçada deste animal representa a vingança do morto frente ao Bope. Esta caça será realizada por um membro da aldeia escolhido para representar o morto (aroe-maiwu). Este indivíduo passará a ser, a partir daquele momento e para além daquele contexto ritual, o representante social do morto. Desta forma, garante-se a continuidade da categoria social do indivíduo morto.

Uma vez abatido o animal, o luto é encerrado e as cerimônias passam a indicar a vitória da vida sobre a morte.

Os Bororo utilizam o enterro secundário, ou seja, inicialmente é realizada a inumação (primeiro enterro) e posteriormente a exumação (desenterro). O corpo do morto é envolto em esteiras e enterrado em cova rasa e aberta, no pátio central da aldeia. Para acelerar a decomposição do corpo, a cova é regada diariamente. No final do processo, que dura de dois a três meses, os ossos são ornamentados e, depois, definitivamente enterrados.

Neste trabalho, dividimos o ritual em cinco etapas a serem descritas separadamente. Tal separação se deu por motivos de simplificação didática e facilitação da apresentação fotográfica, não havendo nenhuma diferenciação entre elas na perspectiva da cultura bororo.

São elas:

1)  O morimbundo.

2)  O primeiro enterro.

3)  A exumação.

4)  A ornamentação dos ossos e o cortejo final.

5 Mori: a vingança do morto.

 

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Contextualização

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Em todo o país, professores e estudantes, especialmente da Educação Básica, concentram a lembrança da forte e incontornável ancestralidade indígena dos brasileiros em abril de cada ano, mais precisamente em torno do dia 19 de abril, quando é celebrado o Dia do Índio.

E por que essa data? Em 1940, foi realizado no México o I Congresso Indigenista Interamericano, no qual iriam ser discutidos assuntos referentes à qualidade de vida dos índios. Os próprios indígenas também foram convidados a participar do Congresso, mas como estavam acostumados a serem desrespeitados, preferiram não participar.

Após alguns dias, os Índios entraram em um acordo e decidiram que iriam participar do Congresso, já que lá seriam discutidos problemas que diziam respeito a eles.

A data em que foi tomada esta decisão tão importante era 19 de abril. Por este motivo, em 1943, Getúlio Vargas, que foi presidente do Brasil de 1930 a 1945, decretou que o dia 19 de abril seria dedicado à celebração da cultura indígena no Brasil.

Por ocasião da data, é comum encontrar nas escolas comemorações com fantasias, crianças pintadas, música e atividades culturais que mitificam o índio, que o caricaturam. No entanto, especialistas questionam a maneira como algumas dessas práticas são conduzidas e afirmam que, além de reproduzir antigos preconceitos e estereótipos, não geram aprendizagem alguma.

A Lei 11.645/08 inclui a cultura indígena no currículo escolar brasileiro e é perfeitamente possível incluir esta temática no planejamento de aulas  História, de Língua Portuguesa e de Geografia. Há, certamente, muitas formas de trazer esta temática para a sala de aula, e não apenas no âmbito das disciplinas citadas, de modo coerente com a realidade e com a história, sem que se mitifique a figura do indígena, com atividades cujo único foco é vestir as crianças com cocares ou pintá-las e sem que se reproduza preconceitos em sala de aula, mostrando o indígena como um ser à parte da sociedade, que anda nu pela mata e vive da caça de animais selvagens.

O Brasil tem ainda cerca de 230 povos indígenas, que falam cerca de 180 línguas. Cada etnia tem sua identidade, rituais, modo de vestir e de se organizar. De modo geral, todas enfrentam graves problemas para continuar existindo.

A fim de subsidiar professores e estudantes na abordagem didática de um desses povos, esta exposição virtual é dedicada a um dos rituais capitais do povo Bororo, os índios que habitavam toda a Região Centro-Oeste do Brasil, atualmente confinados em reservas, sobretudo em Mato Grosso. O termo Bororo significa, na língua nativa Boe Wadáru, pátio da aldeia, o que remete à tradicional disposição circular das casas de suas aldeias, formando um pátio central que é o espaço ritual desse povo, caracterizado por uma complexa organização social e pela riqueza de sua vida cerimonial sem igual.

Aqui, o professor terá um ponto de partida vigoroso para, em seguida, buscar conhecimentos mais amplos para o estudo desse povo e na condução de seus alunos no conhecimento de uma cultura rica, viva e tão brasileira quanto todas as demais culturas que coabitam neste imenso país e que constituem uma de suas maiores riquezas.

 

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Apresentação

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Em 1985, em uma imersão de um grupo de pesquisadores na sociedade Bororo, foram feitos registros fotográficos e audiovisuais, com o devido consentimento e autorização da população em questão, de um dos rituais mais simbólicos e ricos daquele povo - o Funeral.

As imagens produzidas mantiveram-se, até o presente momento, em acervo particular do fotógrafo Kim, sem que sobre elas fossem destinados os cuidados e técnicas de arquivamento e catalogação merecidos.

Kim, autor dos citados registros e idealizador da salvaguarda que garantisse a proteção deste material etnográfico, realizou diversas viagens de campo entre o período entre 1985 a 1986, oportunidades em que conseguiu estabelecer a proximidade necessária para que fosse dada a autorização para a captação das imagens.

Como a continuidade dos ritos funerários está ameaçada por uma série de motivos, sejam eles relacionados à restrições ambientais, políticas ou consequentes de uma adaptação cultural, a riqueza da produção fotográfica que aqui se apresenta denota a ela uma imensa importância, não apenas em nome da memória da comunidade Bororo, como para a história material e imaterial de um país tão diverso como o nosso.

O propósito desta exposição é o resgate deste acervo e a sua disponibilização ao público em geral.

 

A viagem

Saímos de Brasília rumo à aldeia Córrego Grande, distante 240 quilômetros de Cuiabá, no Mato Grosso, no início de novembro de 1985. No meu fusquinha azul eu, Waldir Pina de Barros e Francisco Pereira. Ele responsável pela captação do som, eu e Waldir formamos a dupla de fotógrafos. Na bagagem, câmeras Nikon, um gravador Nagra IV, filmes 35 mm, Tri-X, para o Preto & Branco e cromos para cor. A minha câmera era um modelo F-2 e, nessa época, eu ainda era apaixonado pela Leica M3, equipamento que Cartier Bresson também usava, e a usei com lentes 35, 50 e 90mm. Por ser muito silenciosa, já que não possui espelhos, a pequena câmera me ajudou bastante.

Era a segunda vez que iríamos entrar na terra dos Bororo, povo indígena pertencente ao tronco linguístico Macro-Jê.  Em julho daquele mesmo ano, a convite de Waldir, fotografamos o ritual do Mori, a vingança do finado dentro do funeral Bororo. Agora, estávamos de volta para documentar a cerimônia de todo um funeral, um rito de profundo significado antropológico. Para isso, contamos com o apoio dos indigenistas Antônio João e Edevar Sardinha, mas nada seria possível sem o apoio da Universidade Federal do Mato Grosso, principalmente por meio das antropólogas Joana Fernandes e Fátima Roberto.

Quando fomos avisados pelas antropólogas sobre a possibilidade de documentar um funeral, eu era funcionário público, trabalhava como fotógrafo do CNPq, e não poderia abandonar meu emprego por dois meses seguidos. Tentei até o limite final do tempo uma licença, mas não consegui. Como o desejo era grande, acabei indo. O que causou minha demissão logo depois.

Por recomendação da Funai nos instalamos próximo à casa do chefe do Posto, cerca de três quilômetros da aldeia, na beira do Rio São Lourenço, um dos formadores do Pantanal. Nosso cotidiano se misturava ao cotidiano da aldeia. De manhã preparávamos a nossa comida constituída basicamente de arroz com carne de sol, pois não conseguíamos pescar. Todas as tardes, com o equipamento nas costas, seguíamos a pé em direção à aldeia. Era principalmente no pôr do sol que os índios entoavam seus cânticos e dançavam em torno da cova rasa, no meio do pátio. Era também assim, até de noitinha, que os cantos se transformavam em lamentos ecoando na imensidão do cerrado.

 

Créditos

Lucio França Teles, pesquisador beneficiário FAPDF
Gilberto Lacerda Santos, pesquisador coordenador
Tarcísio Paniago de Oliveira Rocha, assistente de produção
Inaê Quirino dos Santos, antropóloga
Kim-Ir-Sen Pires Leal, fotografia
Didier Max, programação lógica
 
Agradecimentos:
Olivier Boëls
Nísia Sacco
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A Ornamentação dos Ossos e o Cortejo Final

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A ornamentação dos ossos ocorre em um ambiente restrito, construído com paredes feitas com esteiras de palha, dentro da casa dos homens. Uma esteira é colocada para que as mulheres e as crianças não possam ver os ossos serem adornados. Todo o processo é acompanhado de cantos, choros e escarificação (cortes feitos com cacos de vidro pelo corpo) por parte das mulheres ligadas ao morto. Vale dizer que este é o momento mais solene e de maior comoção. Segundo expectadores do evento, a cena assemelha-se à uma catarse coletiva.

Cabe ao aroe maiwu o tingimento dos ossos maiores e do crânio, sendo este último tratado especialmente e adornado com penas em um padrão que remete ao utilizado pelo clã do morto. Para aquela sociedade, a ornamentação faz parte do processo de transformação dos ossos em alma, fazendo com que o envolvimento empreendido ali seja ainda mais intenso.

Uma vez ornamentados, os ossos são colocados em uma bandeja de palha, transmitida aos parentes do finado, passando a ser carregada como os cuidados semelhantes aos destinados a um bebê. Dali, passam para um grande cesto (aroe j'aro) em uma tentativa de se preservar a ordem óssea do corpo enquanto vivo.

Um cantador experiente, o aroe et-awari are, xamã das almas, evoca a alma do finado para que esta ocupe agora sua nova morada. Todas as outras almas são também evocadas para que ajudem o morto a entrar na aldeia dos mortos.

O cesto contendo os ossos é costurado e para amarrá-lo são usadas tranças de cabelos dos parentes do morto. A mãe ritual do morto carrega o cesto em um percurso ritualístico por toda a aldeia, concluindo o seu trajeto em sua casa, onde os ossos descansarão por uns dias.

Em seguida, os restos mortais são transferidos para a urna funerária, que é levada pelo xamã e outros homens para águas que banhem a aldeia. Ali, o aroe maiwu se encarregará do sepultamento definitivo, perfurando o cesto para que a água possa entrar, fazendo com que o cesto afunde.

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